28 de outubro de 2010

Polêmica: drogas e religião


Os rituais do Santo Daime ganharam destaque na mídia em março, deste com o assassinato do cartunista Glauco por um dos fiéis de sua igreja. O alvo de tanta atenção foi uma das tradições da seita: o consumo da ayahuasca. Bebida alucinógena, a ayahuasca pode ser considerada uma droga. E drogas, você sabe, são proibidas no Brasil. Mas a ayahuasca é liberada desde que utilizada durante os cultos religiosos. Isso faz sentido? Faz.

O motivo: a liberdade religiosa de cada um. Graças à liberdade religiosa, podemos escolher e exercer as crenças que quisermos. Não precisamos esconder crucifixos, estrelas-de-davi, um exemplar do Alcorão. Para proteger essa liberdade, às vezes é necessário criar exceções ao que se considera ético, moral ou mesmo legal na sociedade, como a feita à ayahuasca. O problema é que algumas exceções acabam prejudicando o bem coletivo. É nessa hora que a fé de cada um deve encontrar um limite.

Fé é particular. Não deve interferir no direito dos outros. Quando isso acontece, estamos diante de um crime. Por isso, o consumo individual da ayahuasca no templo é válido - mas induzir alguém a bebê-la em outro contexto não. Testemunhas de Jeová vetam transfusões de sangue, por uma interpretação que fazem do texto da Bíblia. Isso é aceitável, já que cada pessoa é responsável pelo próprio corpo. Mas o que dizer de um pai que impede uma transfusão vital para um filho? É possível que a criança não sobreviva - em nome da religião. Em países como Arábia Saudita, condenações à morte são proferidas contra aqueles que abandonam o islamismo. Mais uma vez, em nome da religião.

Esses são crimes contra os direitos individuais, ainda que representem, também, uma manifestação de fé. E vão contra os próprios ideais que geraram a liberdade religiosa, nascida junto com a democracia moderna. Mesmo depois da Reforma Protestante, no século 16, pertencer a uma crença não era um direito individual. Ordem política e religiosa eram unidas - a religião de governados obrigatoriamente deveria ser a do governante. Só com o Iluminismo apareceram as formas jurídicas que protegem escolhas religiosas pessoais, justamente para que cada um pudesse escolher o melhor para si.

Roberto Romano

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