Quando dizemos para alguém que nossos negócios estão indo bem, imediatamente sentimos uma forte compulsão na direção de buscar algum pedaço de madeira para nela batermos 3 vezes. O mesmo vale ao dizermos que estamos felizes no novo relacionamento sentimental ou que estamos bem de saúde. Ao agirmos de acordo com este ritual temos a impressão que afastamos de nós as perigosas influências malignas da inveja das pessoas. É fato que nossa felicidade pode provocar inveja; o duvidoso é se ela tem mesmo poder de influência negativa sobre nós, bem como se o ritual de proteção será mesmo eficiente. Porém, porque acreditamos nesta possibilidade nos sentimos mais apaziguados ao realizá-lo.
As situações descritas acima nos mostram alguns dos aspectos essenciais do pensamento supersticioso: um deles consiste em nos sentirmos inseguros e ameaçados em determinadas situações, especialmente aquelas em que estamos felizes; construímos uma associação entre a prática de certos rituais e a diminuição dos riscos, de modo a nos sentirmos protegidos contra as adversidades. O outro tem a ver com o desejo de interferir sobre eventos que não dependem de nós, mas que queremos muito que tenham um resultado positivo; associamos, por um caminho nada lógico, sua concretização à presença de algum objeto, um adorno promovido à condição de talismã e cuja presença, no processo ritual que construímos em torno dele, aumentaria – e muito – as chances de obtermos o favor desejado.
Pessoas inteligentes, cultas e um tanto céticas também costumam desenvolver algum tipo de ritual. As que são muito voltadas para as práticas religiosas tendem a desenvolver seus rituais dentro deste contexto: as promessas se assemelham muito ao processo que estamos analisando, sendo que aqui se renuncia a algo do qual se gosta muito em favor da facilitação de um resultado que aparece como muito importante (abre-se mão do chocolate por um tempo longo em benefício da saúde de um filho, por exemplo). As novenas, as peregrinações, os jejuns e as orações em geral têm por objetivo agradecer graças recebidas, pedir proteção para o que se tem e também para que o futuro nos sorria.
Afinal de contas, por que tanto empenho? A verdade é que nossa condição enquanto humanos (e conscientes) é bastante complexa, pois estamos expostos à incerteza de forma continuada e lidamos muito mal com isso. Não suportamos o fato de estarmos em uma embarcação sujeita a ventos que não controlamos. Não sabemos nada do que é relevante acerca do nosso futuro e tentamos nos defender disso por todos os meios.
Buscamos defesas contra a incerteza que cerca os relacionamentos afetivos através de estratégias de controle sobre as pessoas que amamos. As mães de adolescentes tentam saber deles o tempo todo e impedir que todos os males lhes alcancem. Homens e mulheres tentam vigiar os passos de seus parceiros, sempre com medo de serem traídos ou abandonados.
Usamos boa parte de nossas possibilidades intelectuais com o objetivo de projetarmos um futuro de acordo com nossos melhores sonhos. Tentamos impedir que as doenças nos alcancem, de modo que nos submetemos a um estilo de vida que nem sempre é aquele que mais gostamos. Consultamos os médicos para exames periódicos com o intuito de detectar doenças precocemente e, com isso, ter o poder de interferir ao máximo sobre sua evolução. Tentamos acumular o máximo de dinheiro, sempre norteados pela ideia de sermos mais parecidos com as cigarras do que com as formigas: para que nada nos venha a faltar.
Ainda assim não nos sentimos seguros. Temos, em nosso íntimo, a sensação de que estes meios concretos são muito insuficientes; considero muito provável que isso seja verdadeiro, já que todos os exames médicos, por exemplo, apenas nos dizem de nossa condição até hoje e das probabilidades de estarmos bem nos próximos tempos. O mesmo vale para o dinheiro, que poderá ser perdido por alguma fatalidade. Do amor então, nem é bom falar...
Os mais céticos podem pensar que é pura insegurança buscar em forças maiores que a nossa, os reforços a favor de nossos interesses. A grande maioria das pessoas pressente a existência de forças não tão concretas a nos cercar. Buscam também nelas algum apoio tanto com o objetivo de se protegerem contra a inveja para que seus sonhos se realizem. É por essa via que entra o pensamento supersticioso, presente em quase todos nós. Pode não ser de grande valia, mas ações concretas para garantir um futuro melhor também não o são. Por mais que façamos, a incerteza sempre sairá vencedora.
Flávio Gikovate
2 comentários:
Realmente temos a tendência a pensar que tudo o que temos ou conseguimos nos poderá faltar,como em um passe de mágica,ao menor indício de inveja ou cobiça da parte de outra pessoa.E tentamos ns proteger,usando todos os rituais possíveis e imagináveis.
Texto perfeito para uma reflexão sobre os nossos medos.
Bjsssss,amiga Lena,
Leninha
Excelente artigo! Um assunto, ainda, polêmico, quase um tabu: religião, superstição, crendices, ritos, manias... O que realmente o homem quer, espera?
Adorei o texto!
Abração,
Rodrigo Davel
Postar um comentário